A tese da legítima defesa da honra, ainda usada por acusados de feminicídio, não é, tecnicamente, legítima defesa. Portanto, não exclui a ilicitude do ato. Além disso, tal argumento viola os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade.
Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 01/08/2023, por unanimidade, que é inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, tanto na fase processual quanto pré-processual, bem como perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
A legitima defesa da honra ofende o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Este, que é um dos maiores princípios carreados pela Constituição e que guia a baliza aplicadora de tantos outros princípios, além de fundamento explícito da República Brasileira, preconiza que a o ser humano, pelo simples fato de sua existência é titular de uma série de garantias que, de tão importantes e relevantes para a vida do indivíduo, não se poderia imaginar uma vivência justa sem estes. Possuem a característica de serem universais, indisponíveis e inalienáveis. Por esta razão, não poderia ser razoável permitir a existência da tese de legítima defesa da honra, uma vez que reduziria a posição da mulher a um patamar de inferioridade, o que reforçaria a institucionalização do machismo estrutural. Além disso, tal tese desrespeitaria o princípio da igualdade, corolário da dignidade da pessoa humana.
Apesar de a discussão ter tido início lá atrás, ainda na década dos anos 1970 e a manifestação oficial e definitiva ter vindo muitos anos depois, há de se reconhecer o símbolo que isso acarreta para o Direito e para a sociedade, sobretudo para o gênero feminino – que em números e proporção é sempre a maior vítima da classe de crimes torpes motivados por ciúmes e sentimentos possessivos. A bem da honestidade do debate, o próprio Superior Tribunal de Justiça, desde a década dos anos 1990 vem anulando julgamentos onde homicidas foram absolvidos com a essa tese de defesa, entretanto a ausência de uma definição pela Suprema Corte, que é a última palavra em casos que conflitem com a Constituição da República, possibilitou que durante os anos, esse argumento viesse ser tema de pauta perante os tribunais populares. Tendo posição e delineamentos constitucionais, o Tribunal do Júri tem asseguradas a plenitude de defesa e a soberania dos veredictos, mas tais prerrogativas não podem dar guarida, em nenhuma hipótese, a qualquer discurso que viole os direitos fundamentais mais básicos, como a dignidade da pessoa humana, igualdade de gênero e da não discriminação. O que a Suprema Corte acabou de realizar, não foi mitigar o Júri ou suas prerrogativas. Todas as garantias, sobretudo a plenitude de defesa e soberania dos veredictos continuam com a mesma eficácia, sem perder nenhuma atribuição. Por outro lado, o que houve foi uma ratificação da posição do Sistema Processual Penal brasileiro como instrumento século XXI, que não admitirá posições ultrapassadas sob nenhuma justificativa.
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