Após o advento da Lei Federal nº 13.655/18 e suas disposições acerca da segurança jurídica, a discussão acerca da interpretação constitucional no âmbito acadêmico de graduação não encontra grande espaço, razão pela qual este artigo jurídico se torna de grande valia ao acadêmico de Direito. Não obstante, ao longo dos nossos estudos jurídicos, se debruçar sobre a motivação das decisões judiciais e os seus fundamentos filosóficos constituiu grande desafio. Isso pois, a prática, em sua generalidade, acaba por fazer vista grossa ao assunto, o que macula a efetiva prestação da atividade jurisdicional. Nessa conjuntura, conforme evidenciado na nossa experiência, a interpretação das normas é tema que enseja ávida discussão na comunidade jurídica. Isso porque, se por um lado tem-se a defesa de que a assunção da interpretação equivale à evolução do Direito, do outro se encontra o oposto: apenas a lei é a lei, e atualizá-la através de interpretações equivale a transformar o intérprete em legislador. Ocorre que a adoção de um corpo legal desprovido de cláusulas aptas a gerar interpretação, é incapaz de assegurar a manifestação plena do Poder Judiciário de forma justa e equânime, limitando sua área de atuação à mera repetição de comandos legais, “mumificando” o Direito. Ora, compactuar com o dogma legislativo não se mostra cabível nas circunstâncias atuais, pois, seria o mesmo que admitir fazer parte de uma sociedade morta, regida por um Direito desajustado da realidade social, que opta por sacrificar a justiça ao custo da segurança jurídica. Urge indagar, portanto: o que é o Direito senão um meio para se chegar à justiça? Conceber tal sacrifício equivale a sacrificar o Direito. Por esta razão, é possível concluir que a segurança jurídica configura princípio sem o qual não se vislumbra possibilidade de desenvolvimento de um Estado, sob o prisma jurídico. Isso ocorre, pois, somada à justiça, caracteriza pressuposto da própria existência do Direito. Por isso a tarefa do intérprete é de essencial valia, uma vez que através desse mister, é possível assegurar a aplicação das leis de forma isonômica e justa. Todavia, cabe ressaltar que, nesse afã, deve o jurista estar consciente da necessidade de sopesar as consequências imediatas e futuras de sua decisão, sob pena de incorrer em subjetivismo. Por isso, quando se refere ao pós-positivismo, não se pode olvidar que, apenas ao adentrar à seara da legitimação da visão subjetivista do aplicador do Direito é que ficam evidentes os seus riscos, que podem ser notadamente visualizados através da metáfora “ovo da serpente.” O longa desenvolveu o uso desta expressão para ilustrar o fato de que tudo que ganha vida e “emerge” em um momento histórico favorável para tal, pode gerar consequências perigosas.
Um Estado não consegue se sustentar sem a segurança da aplicabilidade de suas normas, as quais, nesse cenário distópico, decorrem dos imprevisíveis juízos de valor. Atentar-se para tal conjuntura, revelou-se grande inquietação teórica.
Se as decisões são realizadas com fundamento em normas de textura aberta, as autoridades judiciais podem preferir conquistar boa reputação perante o povo, mediante o uso de interpretações que geram resultados mirabolantes, que lhe garantem atenção e prestígio, fazendo propagar a “cultura do hipercontrole”. Não obstante, as texturas abertas das normas ocasionam outro problema: uma mesma situação fática pode ensejar a incidência de normas diferentes, uma vez analisadas por intérpretes diferentes. Nesse diapasão, salienta-se que o universo jurisdicional brasileiro, por vezes caminha nesse sentido, máxime quando transmutam para o ordenamento jurídico pátrio teorias próprias de países estrangeiros, o que pode acabar gerando confusões. Isso ocorre, pois, os juristas estrangeiros partem de pressupostos inerentes à sua própria cultura e civilização, alienígenas à brasileira.
Não obstante, à guisa de conclusão, tecemos críticas ao sistema neoconstitucionalista, filiando à corrente que defende ser este o modelo filosófico mais apto a estruturar uma Constituição equitativa, que garanta a efetividade de direitos fundamentais, e, ao mesmo tempo, é suficientemente compacta para garantir a sua superioridade ante as demais normas (método histórico- evolutivo). A justificativa para tal argumento reside justamente nas normas de conceito jurídico indeterminado, que representam instrumentos utilizados pelo magistrado para a melhor satisfação da prestação jurisdicional, amoldando-se a norma ao caso, ao invés do contrário. Por estas razões, conclui-se que o neoconstitucionalismo é o sistema que melhor efetiva o equilíbrio entre a segurança e a justiça, uma vez que garante a higidez do ordenamento jurídico através de normas postas pelo Estado, vedando a interpretação subjetivista, através do uso dos crivos da proporcionalidade, ao mesmo tempo que admite a sua evolução, permitindo interpretações à luz da Constituição. Isso pois, desde que controlado, permite ao magistrado o reconhecimento de que princípios constituem mandamentos de otimização, naturalmente conduzindo à ponderação proporcional. Assim, vale dizer: se todas as normas encontram fundamento nos princípios que instruem a Constituição, por consequência, na aplicação das normas, a análise do proporcional e do razoável é medida impositiva à autoridade que decide, elevando ao máximo a eficácia constitucional.
Partindo do pressuposto de que a finalidade da norma é auxiliar o jurista a interpretar outras normas, seu reflexo primário é, certamente, a diminuição do subjetivismo nas decisões. A necessidade da ponderação em face dos resultados concretos do julgamento, somado à responsabilidade nos casos de erro grosseiro, coloca o juiz em xeque, forçando a busca pela melhor solução ao caso difícil. Ora, a efetivação dos valores, mediante prestação jurisdicional, não envolve decisões automatizadas do magistrado, mas ao contrário, requer, sobretudo, ponderação dos resultados práticos daquela decisão. Dito isto, vislumbra-se: a adoção da interpretação como pressuposto de evolução do Direito e a sua submissão à proporcionalidade acaba por tornar a referida norma jurídica instrumento apto a satisfazer por completo o próprio objetivo do Direito, como ciência. Melhor dizendo: através da subsunção dos métodos interpretativos às regras hermenêuticas, a mencionada lei efetiva a justiça, elemento sem o qual não se é possível conceber o Direito.
Finalmente, em referência ao clássico discurso do ex-Ministro Carlos Ayres Britto, quando na posse da presidência da Corte Constitucional, no ano de 2012, é importante frisar que “os magistrados não governam. O que eles fazem é evitar o desgoverno, quando para tantos provocados” . Ora, no mister da interpretação, cabe ao Poder Judiciário “controlar os controladores” , posto que situado justamente entre os fundamentos da República e os objetivos perseguidos por ela. Cabe assegurar a plenitude da ciência jurídica, tão dependente do diálogo com as diversas áreas do saber.
Cabe reconhecer que o Direito nada mais é que mero reflexo do contexto social de um povo, buscando, sempre, a efetivação dos direitos naturais e a garantia da justiça.
Por: Geovalte Lopes de Freitas
Advogado
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